Teatro de rua é para todos

Conforme a instalação dos elementos cênicos acontece, a cidade vai ficando menos cinza, os olhares mais desavisados são capturados e até os passos mais rápidos desaceleram. A cada pedestre que para, a roda em volta do tablado ganha mais um espectador. Mesmo sem poltronas, cortinas ou forro acústico, o teatro de rua é assim: faz da plateia um dos seus personagens e rompe com a distância entre o palco e o público.

Não é por menos que a plateia é rendida pela curiosidade ao se deparar com uma estética tão singular. Projetados especialmente para o espaço urbano, os jogos cênicos do teatro de rua dão vida a narrativas peculiares, por meio de uma miscelânea de técnicas, como performances circenses, pernas de pau, poesia, música e atores que movimentam o corpo e a voz com objetivo de enriquecer a formação cultural dos transeuntes.

A resposta do público é imediata e vem por meio de risadas, lágrimas, reflexão e dúvidas. Como não há um palco que divide o artista do espectador, todos essas impressões podem ser compartilhadas com diálogo, deixando o espaço urbano mais democrático. Sem barreiras, a roda cênica se forma heterogênea, com pessoas de diversas faixas etárias, classes sociais e mentalidade.

Rua é lugar de realizar sonhos

Teatro de Rua: Automákina - universo deslizante

É com esse pensamento que Luciano Wieser segue criando novos espetáculos com a companhia De Pernas para o Ar, de Porto Alegre. Há mais de 30 anos na estrada, o grupo leva arte para os mais diversos públicos das cidades grandes e interior do país. Apoiada pelo Programa Petrobras Distribuidora de Cultura (PPDC), a equipe apresentou Automákina - Universo Deslizante, entre maio de 2018 e junho deste ano, em lugares que sequer têm companhias de teatro em atividade. O espetáculo circulou pelos estados Bahia e Maranhão.

De todas as seis mil pessoas que viram o Duque Hosain'g, personagem central da peça, os moradores das regiões mais carentes foram os mais surpreendidos. É o caso da plateia no município Candeias, na Bahia, que além de terem se encantado com uma engenhoca de 7 metros de altura feita de material reciclado dando vida a narrativa do espetáculo, também puderam ter seu primeiro contato com o teatro em oficinas feitas pela companhia. “O público do interior marcou muito pelo impacto e depois pela reflexão visível nos olhos de cada um”, disse Luciano Wieser.

A estética usada pela companhia tem esse efeito imediato. Além de construir suas cenografias, que são verdadeiras engenharias, figurinos excêntricos e bonecos com mecanismos de manipulação únicos, o grupo tem sua pesquisa em outras linguagens para o teatro de rua, desenvolvendo assim um dramaturgia própria. Essa característica é bem representada em Automákina que, sem um texto, cria uma liberdade interpretativa e instiga o público a imaginar o seu próprio enredo.

A companhia de Londrina Núcleo Ás de Paus também está apresentando a arte itinerante nos lugares com pouco acesso. Na temporada apoiada pelo Programa Petrobras Distribuidora de Cultura, a companhia levou A Pereira da Tia Miséria para as cidades de Tiradentes, Varginha e Mariana, em Minas Gerais. Desde sua formação em 2008, o Ás de Paus desenvolve sua pesquisa com base no trabalho vocal por meio de canções e pela busca de suas potências estéticas e poéticas no desenvolvimento de sua pesquisa em contato com o público. A dramatização dos espetáculos se intensifica com a utilização de pernas de pau, máscaras e bastões, que representam o prolongamento do ator e dá mais força aos personagens.

Teatro de Rua: A Pereira da Tia Miséria

Esses elementos foram explorados na Pereira da Tia Miséria. Na estrada desde 2010, o espetáculo foi criado a partir de um antigo conto popular espanhol e narra a história da Miséria personificada em uma velha senhora que vive à procura de seu filho Fome. A história densa foi suavizada por meio da palavra rimada, músicas e um cenário cheio de cores.

A peça vem promovendo a inclusão por intermédio de tradução em Libras e descrição para deficientes visuais, como a experimentação tátil. Um exemplo foi o trabalho realizado com Comunidade da Figueira, em Mariana, onde portadores de necessidades especiais puderam sentir o cenário e interagir com os atores. “Eles demonstram muita felicidade em fazer parte de espetáculo que permitia a sua inclusão e percepção máxima da arte teatral”, relata o ator e cenografista da peça, Rogério Francisco Costa.

Dessa troca de experiências, as companhias levam as emoções dos espectadores como forma de aprendizado e aperfeiçoamento da arte itinerante. Cada cidade, cada cidadão, com suas riquezas culturais modificaram as técnicas dos grupos. A Raquel Durigon, do Grupo de Pernas pro Ar, afirmou que leva na bagagem de volta muito mais do deixam para a plateia. “Guardamos impressões, afetos, conhecimentos, novas amizades e as possibilidades de expansão dos nossos métodos”.

Outra experiência que o teatro de rua oferece aos grupos é o exercício do improviso. Como tudo pode acontecer no espaço urbano e o tempo mudar sem aviso prévio, as companhias enfrentam os mais diversos desafios. O ator e cenografista do Automákina, Rogério Francisco Costa, garante ser enriquecedor passar por cada imprevisto e, assim, dar novas formas aos espetáculos. “Temos surpresas de todos os tipos e que aprimoram o nosso trabalho”.

 
Nova visão sobre espaço urbano
A peça itinerante Entrepartidas, da Cia Teatro do Concreto, leva o público para uma viagem cênica, onde a arquitetura faz parte da apresentação. No último ano, o ônibus do espetáculo passou por Santa Catarina, Bahia e Paraná.

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